quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Fome de Verdade

(pregação do dia 21 de janeiro de 2009)



Aos covardes não falta apenas o comprometimento com Deus, mas há uma falta evidente de fidelidade consigo mesmo. Se a fidelidade é fruto do Espírito, então não é apenas um ato exterior, mas algo que passa a fazer parte da personalidade do cristão. E se faz parte da personalidade, então envolve todos os aspectos da vida. Se é assim, portanto, o cristão fiel o é não apenas em relação a Deus, mas em relação ao outro e em relação a si mesmo. Aliás, seria impossível ser fiel a alguém se antes não fosse fiel a si mesmo.

Clamo para não me encontrar infiel, traindo minha consciência e tudo o que acredito. Quero poder olhar no espelho e me reconhecer. Saber que o que falo é o que penso e o que penso é o que digo acreditar.

Para isso, preciso de um inegociável compromisso com a verdade. Ainda que tantos prefiram a ilusão, o aplauso fácil, as lisonjas superficiais, devo escapar da zona de conforto da ilusão e mergulhar na incerteza da verdade. Até quando buscareis a mentira? (Sl 4.2).

Incerteza da verdade? Que paradoxo tão estranho! Mas é isso! A ilusão nos conforta, nos abraça e finge nos assegurar o que desejamos. A verdade, ainda que seja o fim último de tudo, nos é insegurança pois nela nos abandonamos a nós mesmos e nos deixamos levar por suas ondas.

Não sirvo a Deus por escolha, mas, unicamente, por Ele ser a verdade. Se fosse uma preferência seria apenas mais uma. Mas não, Deus não me deixou escolha. Não o escolhi, me rendi a Ele. Se sou cristão, não sou pelos privilégios (que nesta vida nem são muitos), mas simplesmente por causa da verdade contida no cristianismo. Há outra opção? Não, não há. Mas apenas para os que tem fome de verdade. Ainda que minha natureza clame por se afastar, o espírito e a razão são mais fortes. Aquele me faz sentir e intuir a verdade, este me convence da mentira.

Ouço, por todos os lados, que a Bíblia é um livro maravilhoso, belo e reconfortante. Não discordo, mas, para ser sincero, ela sempre foi, para mim, um livro terrível. Nela descobri que sou pecador e rebelde, que no mundo teria aflições e que o salário do pecado é a morte. Mas ela fala da verdade, e ainda que sejam tremendamente impactantes suas palavras, nela me fio.

Esta fome de verdade, então, me conduz a Deus e me faz buscá-lo com toda a minha força. Quando Deus diz: Buscar-me-eis e me achareis quando me buscardes com todo o vosso coração (Jr 29.13), nos instiga a querê-lo não apenas com o esforço exterior e ascético do corpo, mas com uma ginástica descomunal da alma que, ainda que enfrente as contradições e antinomias de um mundo estranho, se joga com todo empenho nos braços da verdade.

Ser cristão não é um escolha, repito. Pois as escolhas podem mudar. Ser cristão é uma mudança na alma, no ser. Aquele que está em Cristo é nova criatura (2ª Co 5.17). Um novo homem que nasce não apenas de um ato único e milagroso de Deus (apesar do conteúdo de milagre que existe nisso), mas que se transforma a ponto de ser outro, que agora vê a existência de uma outra perspectiva, mais real, mais ampla e mais correta.

Se queremos encontrar a verdade, imperioso é que passemos por quatro fases, essenciais nesta caminhada:

Em primeiro lugar, antes de a buscarmos, deve haver uma necessidade imperiosa de razão para a existência. Sem isso não podemos ver a Deus, já que Ele não preenche um coração que se acha abastecido e que de nada tem falta. Na verdade, um coração assim não sabe que é um desgraçado, e miserável, e pobre, e cego, e nu. Em um coração cheio não há espaço para Cristo.

Depois, deve haver um desejo impressionante de verdade. E isso significa aceitá-la como ela é, ainda que não seja exatamente o que esperamos. Aceitar a verdade é como um filho horrível que não abrimos mão, ainda que nos ofereçam outras crianças infinitamente mais belas. Nenhuma mãe, em são consciência, escolheria outra criança que não o seu próprio filho, ainda que ele fosse a mais feia das crianças. Isso é fome de verdade, pois o filho é a verdade de uma mãe e é tudo o que ela quer.

Em terceiro lugar de ve haver uma aceitação absoluta das conseqüências. Se render à verdade é se render também a tudo o que ela traz consigo. Por isso, uma conversão não é apenas um ato exterior de mudança de práticas, mas um caminho sem volta.

Por fim, deve haver um compromisso inquebrável com a consciência. Se não foi apenas uma escolha, mas uma verdadeira alteração no ser, esta mudança deve acarretar uma aliança tal de si para consigo que nada pode quebrá-la: nem a morte, nem a vida, nem os anjos,nem potestades. O corpo até pode ser dilacerado, mas a alma, esta jamais é destruída.

A verdade existe, e ela é Deus. Porém, apenas a contemplam aqueles que a desejam com todo o coração, com toda alma e com toda a força.