quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A presença da eternidade

Enquanto a morte for uma ruptura, a vida será trágica. Apenas a compreensão da dimensão da eternidade pode oferecer paz à alma humana. Somente quando a eternidade deixa de ser o estágio futuro, com o início determinado, é que ela se torna realmente eternidade e abraça não apenas a esperança do porvir, mas a existência presente.

Nada é terrível demais se enxergamos uma vida sem fim. Nenhuma tribulação pode ser mais forte que o conforto do consolo eterno. O que não tem fim não vê a morte, nem se embaraça na temporalidade.

Quando Jesus diz que é chegado o Reino de Deus, creio se referir a isso: os efeitos da salvação, da eternidade ao lado do Pai, já se fazem sentir desde já. Não são apenas promessas de um futuro distante, nem a esperança de um porvir, mas algo que já está aqui e de alguma forma afeta as vidas, as consciências e os sentimentos.

Se o paraíso celestial for apenas esperança do descanso ou o que virá após o término de uma vida, na verdade, será impossível alcançá-lo. A promessa de salvação é para os que crêem, e crer envolve o ser. Se dissermos que temos fé, mas não temos obra, nossa fé é morta. Só podemos ter obras, no entanto, se tudo o que envolve a fé, inclusive a esperança da salvação, já estiver inserido no nosso ser.

Muita tristeza e muito desespero só sobrevivem porque as almas não conseguem perceber a dimensão da eternidade. Seus olhos vêem o fim das coisas nelas mesmas, e o fim da vida na morte. Mesmo muitos daqueles que crêem na ressurreição, enxergam-na apenas como um estágio posterior, apenas como uma esperança, uma fé. Com isso, a tragédia é alimentada, engrandecida. Quando o fim existe, não há como ser indiferente. Se existe algum amor ou alegria, é certo que cessarão. Então, a proximidade do derradeiro é o passo do condenado, e os dias são as batidas macabras do relógio mortal.

Nesse caso, não adianta o consolo. Que valor pode ter alguma coisa que termina, enfim? O céu de bronze desce sobre as cabeças, e algo diz que nada vale à pena. E não vale mesmo. Por mais que se esforce para impor virtude às ações, ainda que se encontre o tão raro altruísmo sincero, mesmo que haja o desprendimento total, não há sentido se tudo acabar. Toda moralidade, toda virtude, todo amor, só emprestam sentido às coisas, porque se conectam à eternidade. Se assim não fosse, seriam louváveis, mas inúteis.

Para os que crêem a morte jamais será uma cisão completa. O que vem depois, ademais, não é também outro estágio, apenas. A compreensão plena do Reino é que ele já está aqui. E se ele é eterno, então essa eternidade já se faz presente. E sua presença independe da morte, porque a morte é somente um fato, jamais um fim. Que substância tem a morte, se ela não pode matar? Se os que crêem não morrem, o que chamaremos de morte?

Não, a morte não é lamentável! Ela á apenas um fato, uma necessidade. O homem natural sofre com ela, como o mais terrível destino. Mas ela não é um destino. O homem espiritual, no entanto, ao derramar lágrimas diante dela, o faz, não pela ruptura, mas por sua violência. A morte não pode matar, então machuca. Fere o coração com uma mentira. Sussurra aos ouvidos, dizendo que extinguiu um ser, quando o que fez foi apenas movê-lo.

Filha da mentira, a morte é, então, filha do próprio Satanás. E não é? Engana como ele, tormenta como ele, oprime como ele. Aliás, lembre-se que ela surgiu como conseqüência das palavras do diabo e sem elas jamais existiria.

Para quem é de Cristo, porém, não há tal submissão. Ele olha para a morte compreendendo o que ela é. Derrama uma lágrima de tristeza, sim, porque percebe que há algo que não está tão certo. Seu homem natural, aquele que ainda habita seu corpo carnal, se incomoda diante dela. Mas sua alma, já elevada pela consciência espiritual de Cristo, se mantém em paz.

E se a morte, atitude extrema da natureza, não pode mais abalar o coração do crente, o que dizer de tudo o mais? O homem espiritual enxerga a eternidade desde já, e não vê cisões no caminho adiante. Ele já enxerga Cristo, com seus braços abertos, logo ali, esperando para abraçá-lo. Ele já consegue vislumbrar sua morada, na virada da próxima esquina, onde vai viver em paz. Ele já até ouve o coro dos anjos, lá adiante, na mesma estrada pela qual ele vai seguindo. Sabe que vai haver um pequeno abalo em algum momento (e isso para ele é a morte), mas não vai deixar de seguir pela mesma via, a via eterna na Nova Jerusalém.