Alguns liberais podem até entender alguma coisa de economia, mas quando adentram pelo campo do debate moral e religioso vacilam, menos por serem eles mesmos amorais e mais por não entenderem nada de teologia, que é o fundamento da moral conservadora. Vê-se isso claramente no artigo que Joel Pinheiro escreve em seu blog (Conservadorismo religioso não se salva) em resposta ao articulista do Mídia sem Máscara, Nivaldo Cordeiro, que, há alguns dias, por meio do artigo Direita, volver, fez uma crítica a um outro artigo do sr. Pinheiro chamado Nova direita nascida velha.
O sr. Pinheiro afirma, em seu texto, que os conservadores defendem formas sociais tradicionais baseados unicamente na fé. Em outras palavras, ele está querendo dizer que essa defesa é irracional ou, pelo menos, sentimental. Isso apenas deixa claro que, em seu entendimento, fé se contrapõe à razão.
Ocorre que, desde os primeiros pensadores cristãos, como Justino e Clemente de Alexandria, ficou muito claro que a fé não é uma irracionalidade, pelo contrário, é uma antecipação de razões ainda não alcançadas pela mente finita. A fé é um instrumento preparatório para o conhecimento. O objetivo é o conhecimento mesmo. Portanto, fé é conhecimento, sim, mas um conhecimento antecipado. Entende-se, com isso, que não há oposição entre razão e fé, e quando o sr. Pinheiro ressalta-a, apenas faz eco a um existencialismo antigo, como o professado por Kierkegaard.
Mais que isso, é evidente que um religioso mais experiente não defende os valores cristãos fundamentado na fé. Sua base é a razão. A fé ficou lá atrás, em seus primeiros passos no Evangelho. Por exemplo, um novo crente pode se opor ao homossexualismo apenas porque a Bíblia assim ensina, mas um cristão mais antigo já pode compreender, racionalmente, os motivos dessa oposição, e são estes motivos racionais que embasam suas ideias. Nenhum desses conservadores que escrevem artigos de opinião diz que tal coisa deve ser assim porque está na Bíblia, simplesmente. Há toda uma argumentação racional que baseia sua defesa, mas isso não é considerado por seus opositores.
Quando o sr. Pinheiro afirma que o conservadorismo religioso erra por fundamentar seus valores na fé, na verdade apenas demonstra sua incompreensão em relação ao que é religião e o que é fé. Isso porque ele as enxerga como um apego irracional a algo superior desconhecido e inacessível. Dessa forma, apenas repete o que desde o Iluminismo se divulga. Enfim, não traz qualquer novidade ao debate, mas apenas demonstra que um liberal pode muito bem ter os mesmos conceitos de qualquer revolucionário.
O que há, na verdade, é a velha arrogância daqueles que se vêem como iluminados contra os pertencentes às trevas da ignorância reinante, representada, principalmente, pela religião. E é sobre esta arrogância que o sr. Pinheiro comete um segundo erro teológico: a dissociação da moral do Velho e do Novo Testamento bíblicos. Afirma, com isso, que se a base para a defesa da moral atual for aquele, é desnecessária, por já haver a razão para isso, por outro lado, se for este é impossível, por não conter nele qualquer argumento em favor de uma agenda política.
Neste ponto, seu equívoco se encontra na incompreensão da natureza das duas alianças bíblicas. Qualquer catecúmeno logo aprende que quando Cristo apresentou o amor a Deus e aos homens como o primeiro e segundo mandamentos, o fez afirmando que a antiga lei se resumia nisso. Falando de outra maneira, a Lei Nova não aboliu a antiga, mas a absorveu e a resumiu, mostrando qual era sua verdadeira essência. Portanto, quando um conservador apresenta as Escrituras como fundamento de suas ideias, sendo ele cristão, não faz isso com base em uma ou outra Aliança bíblica, nem com base em um ou outro artigo de fé, mas, sim, fundamentado em todo o sentido cristão de amor e de respeito à vida. E esse fundamento não é ele mesmo uma declaração de fé, mas posterior a ela, já compreendida em suas devidas formas racionais. Os preceitos bíblicos são apenas o farol que conduz à verdade e esta se desnuda não como um mistério revelado, porém, incompreensível, mas, pelo contrário, como a explicação do que não era compreendido.
Acontece que os inimigos da religião são assim: acreditam que tudo o que os crentes fazem o fazem por um apego emocional à sua crença. Eles não consideram, por um segundo que seja, a possibilidade desses religiosos terem refletido profundamente sobre os assuntos que expõem. Parece que todo religioso, sendo ele homem de pouca ou muitas luzes, é um desvairado defensor de uma fé irracional.
E acho que não estou sendo injusto com o sr. Pinheiro ao afirmar que ele enxerga os religiosos dessa maneira, pois ele mesmo afirma que os ideais dos conservadores religosos estão mais para uma turba de fanáticos do que para uma população educada e bem intencionada. Mesmo sabendo que esta afirmação, de qualquer maneira, tinha um objetivo mais específico: afirmar que o debate que ocorreu nas eleições presidenciais passadas, em torno da questão do aborto, fora uma, segundo suas próprias palavras, demonstração de histeria.
Ora, segundo o que observei, aquela questão fora tratada de uma forma muito inteligente, por meio de sites, blogs, pregações e panfletos (inclusive alguns apreendidos pelo poder público, como no caso daqueles distribuídos pelo bispo de Guarulhos, Dom Luiz Bergonzini). O que ocorreu foi algo quase nunca visto neste país: um grupo de pessoas, sem qualquer organização formal, sem qualquer financiamento público, sem qualquer apoio midiático que, espontaneamente, se unem na defesa de algo que realmente acreditam. O que o sr. Pinheiro gostaria? Que fossem marcadas audiências públicas para a discussão (no caso, a questão do aborto)? Pois bem, era isso exatamente o que aqueles que defendem os tais direitos da mulher queriam: que a questão fosse levada em banho-maria. Foi a tal histeria que forçou a sra. Dilma Rousseff a assinar um compromisso que hoje está impedido-a de dar um andamento mais rápido ao seu projeto abortista. Histeria ou não, o que vimos é que o movimento acabou sendo razoavelmente eficiente.
Eu não sei se o sr. Joel Pinheiro é contra ou a favor do aborto, já que esta matéria não fora elencada dentre as que ele afirma concordar com os conservadores. No entanto, o que fica claro, ao menos para mim, é que o resultado daquela movimentação não o agradou muito. De qualquer maneira, e esse é o ponto central deste artigo, uma coisa é certa: a ideia que ele tem de um pensador conservador religioso é tão distorcida quanto de qualquer ateu e anticristão.
O conservadorismo religioso não se opõe à razão