sexta-feira, 15 de junho de 2012

As bordas da teologia I

A teologia brasileira está polarizada. Sim, vos enfrentais como adversários mortais, encarando-vos e anatematizando-vos mutuamente. Vedes o outro como a personalização do mal, como a encarnação do diabo, como o promotor da morte. Enxergais aqueles que do lado oposto estão como os defensores do desvirtuamento do verdadeiro Evangelho, crendo, sinceramente, que lá se apresentam os lobos vestidos em peles de cordeiro.

Do lado esquerdo te encontro como humanista social, proclamador da justiça humana e divulgador de beneficências. Quando leio o que escreves, enxergo-te como filantropo, homem de coração de carne, que sofre e sinceramente se preocupa com os destinos dos aflitos. Quando ouço o que dizes, imagino que és realmente pacificador, sincero preocupado com os rumos deste mundo. Tua fala é suave, tua voz é doce e por pouco, muito pouco, não me deixo seduzir por esse teu canto de sereia.

Não cedo porque me lembro que aqueles que defenderam o que defendes foram os grandes assassinos deste século. Como tu, eles pareciam estar ao lado dos oprimidos, as minorias, os indefesos. No entanto, ficou claro que eles apenas usaram os fracos para tornarem-se fortes. Mataram, não apenas os inimigos, mas, até mais, os do próprio povo. Sim, eles que se diziam os amantes da igualdade, difusores da fraternidade e defensores da liberdade foram os que feriram esses três ideais com suas próprias adagas.

Como podes, então, acreditar que, herdando o legado das ideias de teus mestres, não herdarias também seus débitos? Finges que os abusos antigos foram deslizes isolados, mas como, se ocorreram em todos os lugares nos quais tuas ideias foram implantadas com vigor? Repetes os mesmos chavões, os mesmos lugares-comuns, os mesmos termos e acreditas que não há vínculo entre tu e teus pais? Tens os mesmos sonhos de teus antepassados, levantas as mesmas bandeiras, divulgas as mesmas ideologias e não percebes que o que tu és não passa de um eterno retorno àquilo que tanto mal já fez aos teus próprios irmãos?

Te apresentas como cristão, mas repetes o mesmo discurso daqueles que, ainda hoje, estão entre os maiores perseguidores da Igreja que dizes a qual pertences. Aliás, por que, em teus escritos, quase nunca vejo qualquer referência àquela que é chamada de Igreja Perseguida? Será que é pelo fato de que entre os maiores perseguidores de teus irmãos estão aqueles que possuem a retórica idêntica à tua?

Aqueles que te criticam, por estarem do outro lado desse mundo teológico, vêem tuas novidades como se interpretasses a Bíblia erroneamente, não compreendendo bem as palavras que se apresentam a ti. Cândido engano. Tua teologia é absolutamente coerente com tua ideologia. Se inovas, não é porque interpretas errado, mas porque teus sonhos mundanos precisam ser satisfeitos, mesmo às custas do que chamas de dogmatismo.

É por isso que preferes a fluidez, a heterodoxia. Elas te libertam dos grilhões da verdade, da imutabilidade, da perenidade. Então, torna-te livre para voar em direção de tuas utopias, ultrapassando as montanhas da lógica, a fim de chegar no mundo inalcançável de tuas quimeras. E se não podes alcançar, ao menos podes dirigir-te para lá e, na verdade, apenas isso te importa. A perpétua dialética é, de fato, o teu Éden.

Toma consciência disso: tu és cúmplice do morticínio, parceiro do engano, sócio na cultura da morte que teus pares nas ideias infligiram e ainda infligem ao mundo. Não penses que porque teu jeito é meigo, tua face serena e tua conversa agradável que não é perceptível o timbre de Lúcifer que, por trás de ti, vocifera as blasfêmias que exalam o odor do inferno.

(continua com a fala dedicada àqueles que estão do lado direito...)