quinta-feira, 29 de maio de 2008

O Sustentador

Olha as aves do céu. Quem as sustenta? Olha as flores do campo. Quem as alimenta?[1] Por acaso elas perdem noites de sono preocupadas com o que há de acontecer amanhã? Há quem não pertence o poder de controlar as coisas, não faz sentido sofrer por elas. Acumula toda a sabedoria do mundo, junta toda a riqueza, ainda assim não poderás definir o dia que Deus pedirá tua alma[2].


Por causa disso, tu não sentes, às vezes, que vives como andando sobre um fio de uma navalha? Um passo em falso e tudo acaba; um vacilo, e é o fim. Diante dessa fugacidade, por que ainda sofrer tanto? Eu sei, as dores existem, e doem. Mas por que alimentares a dor se não és tu quem pode aliviá-la. Aprende a depender de quem te pode sustentar e sofrerás menos. Tu costumas olhar a mão de Deus como um poder que vem do alto, que te esmaga e sufoca. Mas ela, na verdade, por baixo vem, te alçando do chão, no qual quedavas abatido. Pensas no dedo de Deus, em riste, acusando-te de todo pecado, mas, normalmente, ele apenas vem para tratar tuas enfermidades, como ao cego que voltou a enxergar[3].

Não imagines que o Senhor te quer coagido, temeroso de seus juízos. Isso é para aqueles que retêm a verdade, para os hipócritas e insubmissos. Tu, que és fiel a Deus, deves te manter firme, seguro, apoiado na convicção do sustento de Deus, de sua provisão.

Compreendes porque tanta insistência à obediência? Tu necessitas dela para teres a consciência tranqüila. Dessa forma, podes descansar nos braços do Senhor pacificamente. Sabendo que tua parte é feita com esmero, podes ter certeza que nada em ti impede o agir do Altíssimo.

Mas vê, não digo de um escambo raso, que com a santidade espera mover as mãos de Deus. Digo da paz do justo, que consciente da lisura de sua vida, sabe que nada impede a justiça dos céus. Não que Deus possa ser impedido por alguma coisa, mas é certo que sua perfeição e pureza não coadunam com a transgressão. Em muitos casos, dar-nos algo seria aprovar o nosso erro, e isso Ele jamais fará. De outro modo, não encontrando em ti a malícia, achando a sinceridade de um coração obediente, o Senhor não deixará, de maneira alguma, de prover o necessário para tua existência.

Atenta que nessa relação, não cabe qualquer dissimulação. Seria possível enganar o Rei do Universo e Criador de todas as coisas? Não apenas os olhos de Deus estão em todos os lugares, como sua compreensão de nossas intenções é mais real do que a que temos sobre nós mesmos[4]. Ainda que tu faças algo crendo, sinceramente, que é boa tua intenção, se não for, Ele saberá. Portanto, jamais tente ludibriar o Senhor. Ainda que enganes todos os homens, ainda que convenças todas as platéias, se não fores aprovado pelo Mestre, sucumbirás diante Dele em vergonha.

O que ele exige de ti senão a fé? A confiança na sua sabedoria e perfeição? A firmeza de quem sabe que pode descansar nos braços do Pai de luz? Vê como Cristo repreendeu seus discípulos no desespero de verem seu barco balançado pela tempestade[5]. Não, Jesus não exigiu deles a coragem dos heróis míticos. Não requereu sua bravura e valentia. Não determinou o arrojo daqueles frágeis homens. O que Ele exigiu foi a confiança no Deus que os sustentava. Grave, Cristo não lhes dirigiu uma palavra de conforto, mas repreendeu-os realmente.

Deus releva tudo: o vacilo, a incerteza pontual, a insegurança eventual, mas não desculpa a falta de confiança, pois esta traz a morte. Se tu não podes cuidar de tua vida, se não tens poder para determinar teu destino, o único pecado de morte é a falta de fé. Pois para todos os pecados é possível o perdão, já que suplantados pela fé, mas sem esta, como alcançar misericórdia? Antes do perdão é necessário crer no Deus que perdoa, acreditar que Ele pode perdoar[6]. Sem isso, resta apenas o medo e a incerteza.

Sem fé é impossível agradar a Deus. Digo mais: sem fé, como receber de Deus o sustento esperado? Deus não adornaria porcos com pérolas, não enfeitaria cães com jóias, não vestiria cobras com vestes reais. Deus não promoveria mulas a sacerdotes, não nomearia cavalos a apóstolos, não honraria elefantes como príncipes. O que Ele dá, o dá por misericórdia, mas tal favor só faz sentido se algum valor houver para quem recebe. Aos animais os alimentos, às plantas o calor, aos homens o sustento que traz dignidade. Mas se o sustento divino não tem valor, que esse homem se sustente a si mesmo.

Entende tua posição nessa relação! O Senhor de ti nada exige: nem sacrifícios, nem grandes obras, nem profundos conhecimentos; apenas a confiança singela de um bebê. Tens uma escolha entre duas: ou sustenta-te a ti mesmo, confiando na força dos teus braços ou deixa-te alimentar pelo Rei dos reis. No primeiro caso não podes reclamar de nada, e tua glória sempre será vã. No segundo, de nada terás que reclamar, pois Deus não permite que seus filhos mendiguem o pão[7].
[1] Mateus 6.26-30
[2] Lucas 12.20
[3] Marcos 8.22-26
[4] Salmos 44.20
[5] Mateus 8.23-27
[6] Hebreus 11.6
[7] Salmos 37.25