terça-feira, 2 de setembro de 2008

O Valor da Intuição

Entre os homens há grande admiração àqueles que se expressam com eloqüência, destilando verborragia e distribuindo opiniões. Os que falam se admiram, tendo a si próprios como verdadeiros mercúrios da sabedoria. Mas também os outros os admiram, como semideuses, como iniciados em uma arte inacessível a maioria dos mortais, a qual os eleva a um patamar superior e de poder.


Em Sócrates provavelmente esteja o nascedouro da compreensão de que a dialética é um caminho possível ao transcendental (universais). Segundo ele, o processo dialético permite que, das hipóteses prováveis, se alcance o entendimento daquilo que, em princípio e diretamente, a mente não pode captar. Talvez esse seja o verdadeiro princípio da Filosofia e a fé na força do raciocínio humano.

Com efeito, algo que é bem pouco valorizado é a intuição. Compreendida como o instrumento dos ignorantes, ela é posta à margem da inteligência, abandonada ao exercício do cotidiano, sendo assim incapaz de possuir alguma utilidade superior. Neste mundo que cultua o verbo, o intuitivo é visto como o
caminho para a ignorância. Ocorre que talvez os doutos não compreendam que não há conhecimento racionalizado que antes não haja percorrido o caminho da intuição. Esta é passagem obrigatória de todo conhecimento. Aliás, a intuição é parte do desenvolvimento humano e sem ela o homem não seria nada além de uma máquina lógica.

O que é, afinal, a intuição? É a captação imediata do real. Diferente da compreensão cognitiva, que interpreta a realidade por meio do processo dialético (raciocínio), a intuição percebe essa mesma realidade de maneira direta. Como a criança que tem contato com o mundo e o compreende não pela divagação mental, mas pela captação imediata de como ele se apresenta. A intuição não é o mesmo que irracionalidade. Na verdade, é a antecipação do real. É a capacidade de, diretamente, compreender a verdade, antes mesmo de raciocinar sobre ela. Todas as pessoas intuem. Uma criança intui. A intuição faz parte dessa constituição humana e negá-la é negar o que é o próprio homem.

Mas vivemos no império da linguagem; na obrigatoriedade dos conceitos. Porém, a linguagem, por muitas vezes, não é capaz de exprimir exatamente o real. Uma realidade captada imediatamente pode necessitar de esforços hercúleos para ser explicada. Uma verdade que as partes captam intuitivamente pode demandar horas e horas de discussão para se alcançar um acordo na linguagem. A linguagem não é a expressão da realidade, mas a tentativa de dizê-la. Às vezes logra êxito, outras não. Por vezes promove o acordo, mas muitas outras vezes instiga a discórdia.

Não faço aqui uma apologia do silêncio, mesmo porque a linguagem é o meu instrumento de trabalho e expressão, mas quero apenas ressaltar que não se pode compreender toda a verdade apenas por ela. Quero, de fato, ressaltar a importância da intuição. Tentar mostrar que não é apenas pela linguagem que podemos compreender as coisas e, sim, que muito da matéria do real se apresenta diretamente e pode, dessa maneira, ser captada.

Com isso, fica um pouco mais fácil entender a idéia de alguns filósofos medievais, especialmente de Dionísio - o Areopagita, que dizia que Deus deveria ser reverenciado no silêncio, e com humildade, em silêncio, a Ele deveríamos render culto. Há também uma música que cantamos na igreja que diz que no silêncio Deus está. O que é esse silêncio senão a compreensão da verdade antes mesmo da linguagem? Antes de raciocinarmos quem é Deus, antes de refletirmos sobre a divindade, podemos percebê-lo imediatamente. Mesmo sem meditarmos, sabemos que Deus existe. Isso é a intuição: atributo humano, dado por Deus, a fim de diretamente comunicar sua verdade.

Quando nem pensávamos sobre quem é Deus, já O louvávamos no silêncio de nossas almas, na quietude de nosso espírito, na sabedoria do conhecimento da verdade, simplesmente porque a verdade, simplesmente, é o que é.