Alguns pregadores modernos, alimentados por uma ideia de justiça apenas horizontal, aquela justiça baseada no conceito marxista de distribuição de riquezas, têm dificuldades de entender a justiça vertical divina. Por isso, substituem a justiça humana pela graça somente, deixando um tanto manca a atuação de Deus sobre os homens.
Sábado passado, ao comparecer a um culto de ação de graças pelo aniversário de ministério de um ex-pastor meu, tive a oportunidade de ouvir a pregação de um badalado pastor de uma igreja batista de São Paulo. Sua palavra (aliás, um samba de uma nota só, que ele e seus amigos costumam cantar), mesmo demonstrando alguma erudição bíblica, pecou na estrutura mesma de sua ideia.
Ele, como outros pregadores de mesma ideologia, costumam tecer críticas contundentes contra aqueles os quais chamam de dogmáticos, fundamentalistas, fanáticos religiosos. Se debatem contra o que denominam de legalismo, de falta de amor nas relações eclesiásticas e de insensibilidade por excesso de doutrina.
No entanto, esses pregadores pecam menos na crítica do que na solução. Enxergando a ação de Deus como contrária à justiça tortuosa dos homens, vêem naquela mesma ação não a substituição pela justiça divina, mas a atuação unicamente da graça de Deus.
O que parece que eles não entendem é que a graça divina não é um ato isolado em si mesmo, como não é a própria justiça. Não existe graça sem justiça e não existe justiça sem graça.
Por exemplo, o pregador citou a parábola dos trabalhadores (Mt 20.1-16), segundo a qual o senhor contrata trabalhadores em horários distintos, pagando o mesmo valor para todos os eles. Segundo sua interpretação, o senhor ali não fez justiça, porque o que estava em evidência era sua graça.
Tal interpretação dava subsídios para o pregador permanecer em suas críticas contra o dogmatismo, contra o fundamentalismo, contra o doutrinarianismo e tudo o que se refere ao que ele entende como conservadorismo fanático cristão. Inflando a graça, extingue a justiça e derruba na base muitos dos fundamentos dos conservadores.
Ocorre que aí reside um grave erro da visão socialista de justiça! É óbvio que o senhor da parábola não cometeu injustiça alguma contra aqueles trabalhadores, pois pagou o que havia acertado com cada um. Numa visão de justiça horizontal (tipicamente socialista), parece que a atitude do senhor fora injusta. Porém, enxergando o senhor como alguém que nada deve, em princípio, aos trabalhadores, e tendo acertado com eles um valor específico, não se pode dizer que ao pagar o mesmo salário por jornada diversas tenha cometido injustiça. Esta é a justiça vertical: paga de acordo com o acertado. Cada trabalhador possuindo sua relação pessoal com o seu patrão. Onde está a injustiça? Onde está a graça? Não é disso que a parábola fala.
Deus, da mesma forma, nada deve a nenhum de nós. Paga conforme o acertado. Os judeus, objetos específicos do sentido da parábola contada por Jesus, não deveriam achar que a extensão da mensagem salvadora aos gentios era uma injustiça contra eles, o povo escolhido há muitos anos antes. O que Deus havia prometido a eles estava sendo cumprido e seria cumprido fielmente. Se o mesmo Deus resolveu fazer uma nova aliança com um novo povo, isso não era injusto e não tinha nada a ver com eles. A parábola não fala da graça, ao menos não como fator principal da questão. O pregador, ao dar ênfase à graça de Deus nesta passagem específica, distorce o sentido original, retirando uma ideia que considera falha, colocando outra que não diz nada.
Na verdade, essa substituição carrega dentro de si o peso da ideologia que o pregador traz consigo. Tendo como inimigos públicos os conservadores, chamados por ele de fundamentalistas e legalistas, o pregador estica a corda para o lado oposto e encontra a solução numa graça divina pura, que a todos contempla e que não faz justiça por ser bom com todos, tornando a justiça, na verdade, desnecessária. Como se o senhor da parábola estivesse dando algo gratuitamente para os trabalhadores, e não uma contraprestação do trabalho prestado. Ora, há diversas passagens na qual a graça de Deus é evidenciada, no entanto, a parábola dos trabalhadores não é uma delas.
Apenas fique claro que não estou fazendo apenas uma crítica à interpretação teológica do pregador, isso é o de menor importância. O que eu quero evidenciar é o núcleo do pensamento desses pastores, padres e escritores cristãos que são mais socialistas que cristãos. Como o que eles defendem é uma justiça social plena (segundo as bases do socialismo), têm o liberalismo conservador como um inimigo declarado. Assim, ao criticar toda forma de injustiça humana, personificada, é óbvio, na ação desses fundamentalistas, enfatizam a graça divina de maneira tão distorcida, que a justiça de Deus se torna absolutamente irrelevante.
Porém, Deus é justo e há, sim, uma atuação de justiça corrretiva e punitiva sobre os homens. Esconder isso é aleijar as formas de atuação de Deus. Tendo inimigos declarados, criam um Deus à sua imagem e semelhança, idealizado pela sua ideologia. Deus torto, que distribui sua graça, mas silencia na injustiça.
Justiça pela Graça - uma substituição sem sentido