sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Efésios 2.1-8

Estávamos mortos e esta morte pode ser compreendida em duas acepções complementares: a morte espiritual, que é a condenação eterna como destino certo para o homem natural e a morte existencial, que é a ausência de sentido e razão no homem que vaga pela vida. Seja como for, quem fez isso conosco foi o nosso próprio pecado. Antes de tudo, a condição pecaminosa está em nós desde nossa concepção, o que, por si só, nos manteve afastados de Deus. E essa condição, certamente, nos levou ao erro, à rebelião contra Deus, às ofensas e pecados. Tempo de morte, pois seguíamos o curso deste mundo (v.2).

Uma característica óbvia de algo morto é sua passividade, seu estado inerme. O que está morto é carregado pelo vento, pelas águas, pelo transcurso das coisas. Não reage, não luta. Como um pedaço de madeira em um rio, é levado pela correnteza. Nós também éramos conduzidos, passivelmente, pelas águas mundanas. Carregados pelo instinto, pelos valores deste século, pelo desejo animal, fazíamos a nossa vontade, ou melhor, cedíamos à vontade da carne e do pensamento (v.3). Passivos diante da força do pecado, éramos, assim, sujeitos às ações do diabo (v.2). A partir do momento que não tenho controle sobre a minha vida, que não sou liberto da força da carne, evidente que estou sujeito às obras satânicas, as quais acabam por impor a vontade do diabo, conduzindo-me a executar os seus desígnios malignos.

Nenhum de nós esteve livre dessa condição. Nascemos assim: em pecado. Se há uma herança certa é esta: o pecado original. Não recebemos de Adão apenas as características humanas exteriores, mas, principalmente, esse estado corrompido de pecado, que, impregnado ao ser, naturalmente nos acompanha desde a concepção. Ninguém, absolutamente ninguém, está livre disso. Nem judeu, nem gentio, nem os santos. Todos estão sujeitos, naturalmente, ao pecado original. Rousseau, por exemplo, como outros iluministas, acreditava que o homem nascia bom e era corrompido pelo meio no qual vivia. Porém, isso é um erro. O homem nasce pecador, nasce com a tendência pecaminosa, com a inclinação ao erro. Ainda que muitos se iludam, crendo que o homem tem a capacidade de ser bom por meio de duas próprias forças, prefiro concordar com Chesterton que disse que a única parte da Teologia que é passível de prova é a doutrina do pecado original. Basta olhar para o homem; basta olharmos para nós mesmos.

Alguém ainda duvida da infinita misericórdia de Deus? E seu amor, há como contestá-lo? Ele nos deu vida (v.1) estando nós ainda mortos (v.5). Ora, nem ainda tínhamos tomado uma decisão em seu favor e Ele já havia morrido por nós. Pense nisso: o sacrifício de Cristo não foi para pessoas que estavam com Ele, pelo contrário, Jesus morreu por homens que estavam contra Ele (mortos em pecado). Não existe prova maior de amor e isso demonstra o quanto Deus, realmente, ama o mundo (Jo 3.16).

Nada fizemos para merecer isso. Pelo contrário, merecíamos mesmo era a condenação. Ninguém que já possua alguns anos de vida pode olhar para trás e dizer que merece a salvação. Alguém que diz isso mente ou está completamente iludido. O interessante é que existem pessoas que realmente acreditam nisso. Dizem elas que serão salvas porque são boas e que não fazem mal a ninguém. Ora, isso é uma completa distorção da realidade. Quem fala isso enxerga sua vida com lentes embaçadas pelo próprio pecado. Sem saber, têm um visão turva, crendo que enxergam a verdade. Esta imagem disforme, que é o pecador, para ele mesmo é alguém perfeito, justo e bom. Grande engano!

Se há uma salvação, sem dúvida ela é imerecida. Se podemos ser salvos, apenas se for por um ato de graça (v.5). O que Cristo fez naquela cruz não tem preço. Ninguém pode pagar por aquilo. Nenhum ato, nenhuma vida, nenhuma santidade ou perfeição tem o poder de comprar aquilo que Jesus pagou com sangue: nossa redenção. A salvação pela graça não é um regra criada e imposta por Deus. É, simplesmente, a única possibilidade. Se não fosse assim, ficaríamos eternamente mortos em nossos delitos e pecados.

Deus, porém, nos ressuscitou juntamente com Cristo (v.6). E o que é esta ressurreição além da possibilidade, antes impossível, de nos tornarmos vivos? O que é a ressurreição além do que a vitória sobre a morte. Se antes estávamos mortos, por causa do nosso pecado, em Cristo há a possibilidade de reviver, de vencer esta morte e se tornar verdadeiramente vivo. A vitória factual de Cristo sobre a morte é a vitória espiritual nossa também. E tal vitória não é apenas uma esperança futura, mas uma realidade bem presente. O esmagamento da morte já ocorreu na vida do cristão. Ele não é mais aquele ser passivo, conduzido pelo curso deste mundo. Agora, ele tem vida, consciência de sua existência e destino, podendo, com isso, negar o mal, o pecado, o diabo. Haverá uma ressurreição de fato, mas podemos seguir o apóstolo e dizer que já ressuscitamos, pois não estamos mais mortos, à mercê do príncipe deste mundo.

Podemos dizer, então, que somos salvos ou esta é apenas uma condição futura? Paulo não exitava em falar disso como certo. 'Nos ressuscitou', 'nos fez assentar': verbos no passado, como se referissem a fatos que já houvessem ocorrido. Estas formas de expressão denotam a certeza que o apóstolo tinha em relação a realização de tudo isso. Para ele, já mergulhado na infinitude da existência divina, não fazia muita diferença expressar-se no passado, no presente ou no futuro. Independente do tempo cronológico, tudo aquilo já era uma realidade.

Da mesma forma, passamos, a partir do momento que fomos levantados de nosso sepulcro existencial, a ser prova viva da bondade de Deus. Sem merecermos, Ele transformou homens absolutamente corrompidos em seres agora restaurados. Quem os olha, não pode deixar de captar algo impressionante e sobrenatural. Acabamos por nos tornar testemunhas vivas da benignidade divina (v.7). Somos a prova de que Deus é bom.

Evidência disso é que nossa salvação é gratuita, um presente (dom) de Deus para nós. Não compramos, não adquirimos, não conquistamos. Na verdade, recebemos livremente. Apenas aceitamos esse presente humildemente. Nada do que façamos é capaz de atrair o favor da salvação sobre nós. Que me desculpem os espíritas que acreditam na força redentora de suas obras. Isso é presunção, cegueira, ilusão. Isso também é contrária à verdade revelada da Bíblia. Um dos pilares dessa revelação é a completa incapacidade humana para conquistar a salvação. Esta apenas acontece por causa de um amor eterno do Pai e por pura misericórdia de sua parte. Quem nega isso não pode ser chamado de cristão.

Por causa disso, ninguém possui motivo pra se envaidecer por causa de sua salvação. Como alguém que recebe um presente, não temos mérito algum na redenção (v.9). Isto não quer dizer que fomos envolvidos passivelmente pela salvação. Para que ela tivesse efeito em nossa vida, perdoem-me a redundância, houve uma atitude ativa de nossa parte. Um presente pode ser aceito ou rejeitado, no entanto, nós aceitamos esse presente divino. Enquanto muitos negam a oferta de Cristo, nós nos agarramos a ela. Mesmo assim, não é possível enxergar mérito algum nisso. Quem pode se orgulhar simplesmente porque aceitou um presente?

Agora, mesmo estando claro que não há obra alguma que possa nos fazer conquistar a salvação, isso não quer dizer que as boas ações não façam parte da vida do crente. Seria absurdo pensar em alguém que, como dissemos, é testemunha da bondade de Deus e não reflita isso através de suas atitudes. Dispensar as boas obras da vida é ignorar a vontade de Deus. O cristão pratica, sim, boas ações e vive de maneira correta. Porém, ele não faz isso para obter a salvação (o que seria inútil), mas por causa dela. A diferença entre o cristão e o que crê no poder salvador das obras é que aquele compreende que as obras são apenas o corolário da fé, a exteriorização dela. Se digo que possuo fé, isso, invariavelmente, me conduzirá à prática das boas obras. Se não produzo boas obras, não é porque, simplesmente, estou em falta com a religião, mas, porque, verdadeiramente, eu não tenho fé. A fé é o motor das boas obras. No entanto, não custa repetir, essas obras não têm o condão de proporcionarem a salvação. Elas são, unicamente, um subproduto da fé e a prova da existência da alma cristã.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Fome de Verdade

(pregação do dia 21 de janeiro de 2009)



Aos covardes não falta apenas o comprometimento com Deus, mas há uma falta evidente de fidelidade consigo mesmo. Se a fidelidade é fruto do Espírito, então não é apenas um ato exterior, mas algo que passa a fazer parte da personalidade do cristão. E se faz parte da personalidade, então envolve todos os aspectos da vida. Se é assim, portanto, o cristão fiel o é não apenas em relação a Deus, mas em relação ao outro e em relação a si mesmo. Aliás, seria impossível ser fiel a alguém se antes não fosse fiel a si mesmo.

Clamo para não me encontrar infiel, traindo minha consciência e tudo o que acredito. Quero poder olhar no espelho e me reconhecer. Saber que o que falo é o que penso e o que penso é o que digo acreditar.

Para isso, preciso de um inegociável compromisso com a verdade. Ainda que tantos prefiram a ilusão, o aplauso fácil, as lisonjas superficiais, devo escapar da zona de conforto da ilusão e mergulhar na incerteza da verdade. Até quando buscareis a mentira? (Sl 4.2).

Incerteza da verdade? Que paradoxo tão estranho! Mas é isso! A ilusão nos conforta, nos abraça e finge nos assegurar o que desejamos. A verdade, ainda que seja o fim último de tudo, nos é insegurança pois nela nos abandonamos a nós mesmos e nos deixamos levar por suas ondas.

Não sirvo a Deus por escolha, mas, unicamente, por Ele ser a verdade. Se fosse uma preferência seria apenas mais uma. Mas não, Deus não me deixou escolha. Não o escolhi, me rendi a Ele. Se sou cristão, não sou pelos privilégios (que nesta vida nem são muitos), mas simplesmente por causa da verdade contida no cristianismo. Há outra opção? Não, não há. Mas apenas para os que tem fome de verdade. Ainda que minha natureza clame por se afastar, o espírito e a razão são mais fortes. Aquele me faz sentir e intuir a verdade, este me convence da mentira.

Ouço, por todos os lados, que a Bíblia é um livro maravilhoso, belo e reconfortante. Não discordo, mas, para ser sincero, ela sempre foi, para mim, um livro terrível. Nela descobri que sou pecador e rebelde, que no mundo teria aflições e que o salário do pecado é a morte. Mas ela fala da verdade, e ainda que sejam tremendamente impactantes suas palavras, nela me fio.

Esta fome de verdade, então, me conduz a Deus e me faz buscá-lo com toda a minha força. Quando Deus diz: Buscar-me-eis e me achareis quando me buscardes com todo o vosso coração (Jr 29.13), nos instiga a querê-lo não apenas com o esforço exterior e ascético do corpo, mas com uma ginástica descomunal da alma que, ainda que enfrente as contradições e antinomias de um mundo estranho, se joga com todo empenho nos braços da verdade.

Ser cristão não é um escolha, repito. Pois as escolhas podem mudar. Ser cristão é uma mudança na alma, no ser. Aquele que está em Cristo é nova criatura (2ª Co 5.17). Um novo homem que nasce não apenas de um ato único e milagroso de Deus (apesar do conteúdo de milagre que existe nisso), mas que se transforma a ponto de ser outro, que agora vê a existência de uma outra perspectiva, mais real, mais ampla e mais correta.

Se queremos encontrar a verdade, imperioso é que passemos por quatro fases, essenciais nesta caminhada:

Em primeiro lugar, antes de a buscarmos, deve haver uma necessidade imperiosa de razão para a existência. Sem isso não podemos ver a Deus, já que Ele não preenche um coração que se acha abastecido e que de nada tem falta. Na verdade, um coração assim não sabe que é um desgraçado, e miserável, e pobre, e cego, e nu. Em um coração cheio não há espaço para Cristo.

Depois, deve haver um desejo impressionante de verdade. E isso significa aceitá-la como ela é, ainda que não seja exatamente o que esperamos. Aceitar a verdade é como um filho horrível que não abrimos mão, ainda que nos ofereçam outras crianças infinitamente mais belas. Nenhuma mãe, em são consciência, escolheria outra criança que não o seu próprio filho, ainda que ele fosse a mais feia das crianças. Isso é fome de verdade, pois o filho é a verdade de uma mãe e é tudo o que ela quer.

Em terceiro lugar de ve haver uma aceitação absoluta das conseqüências. Se render à verdade é se render também a tudo o que ela traz consigo. Por isso, uma conversão não é apenas um ato exterior de mudança de práticas, mas um caminho sem volta.

Por fim, deve haver um compromisso inquebrável com a consciência. Se não foi apenas uma escolha, mas uma verdadeira alteração no ser, esta mudança deve acarretar uma aliança tal de si para consigo que nada pode quebrá-la: nem a morte, nem a vida, nem os anjos,nem potestades. O corpo até pode ser dilacerado, mas a alma, esta jamais é destruída.

A verdade existe, e ela é Deus. Porém, apenas a contemplam aqueles que a desejam com todo o coração, com toda alma e com toda a força.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

A Mornidão

Há algo que desagrada a Deus profundamente e este algo é a mornidão. Não sei se vocês já pararam para pensar no que isso quer dizer. Se Jesus diz para a igreja de Laodicéia que, antes fosse ela fria ou quente, mas por ela ser morna, seria vomitada de sua boca, quer dizer que há nesta atitude algo que afronta o caráter divino.