domingo, 22 de fevereiro de 2009

Como um Atleta

(pregação no retiro de 2009)
Imbuido da responsabilidade de trazer-vos a mensagem desta noite, decidi que o que precisamos, não apenas neste encontro, mas em nossa vida, são mais do que palavras bem concatenadas, bem mais do que idéias corretamente delineadas. Algo bateu forte em meu peito me mostrando que necessitamos de existência. E isso significa nada mais do que o nosso ser tomado pela fé que proferimos com nossos lábios, a ponto de a verdade bíblica revelada nos envolver de tal maneira que não apenas reverberamos trechos bíblicos decorados, mas vivenciamos a realidade da Palavra de Deus em nossos pensamentos, palavras e atos.

Diante disso, me vi impelido não a confeccionar um estudo sistemático de alguma passagem da Bíblia. Preferi, simplesmente, me assentar em um local silencioso e refletir sobre como anda minha relação com Deus. Meditando sobre a mensagem trazida pelo pastor ontem à noite, tentei botar em ordem, em minha cabeça, as questões que envolvem a minha existência, a minha fé e a minha conduta. Junto a tudo isso, certo que por uma providência divina, ficou em meu notebook o filme passado na reunião de ontem à noite, chamado 'O Livro Perigoso'. Bingo! Era exatamente isso que eu precisava!

Não é novidade que necessitamos de um compromisso sério com Cristo. Isso para que possamos encarar as adversidades da vida e, até mesmo, as perseguições e retaliações que podem surgir pelo fato de sermos cristãos. Nisso está contido o conhecimento profundo da Palavra de Deus, uma fé inabalável no poder de Jesus e um amor real pelo Senhor.

No entanto, uma coisa é sabermos o que é certo, outra é colocar em prática o que sabemos. Nós ouvimos a verdade, nos comovemos com ela, somos impactados por ela, mas nos deparamos com o mundo cotidiano e, invariavelmente, cedemos aos seus apelos. Isso faz com que desacreditemos da possibilidade de se vivenciar uma vida cristã plena, como vemos nos grandes exemplos cristãos que conhecemos. E vivemos assim, de inspiração em decepção. Rotineiramente nos inflamos de fé para que ela se esvazie na primeira esquina do mundo.

Senhor, como podemos mudar isso? Será que estamos condenados à derrota constante diante das forças deste mundo? Será que seremos perpetuamente a esperança de algo que nunca alcançaremos?

O apóstolo Paulo já nos ensinava como deveríamos nos colocar nesta vida. Na 2ª Epístola aos Coríntios, no capítulo 9, ele afirma que devemos ser como atletas que não medem esforços e sacrifícios afim de conquistar um prêmio material. Nós, então, que corremos em busca de um prêmio espiritual e eterno, quanto não devemos estar dispostos a nos entregar?

Você já observou como é a vida de um atleta profissional? Na busca de seus objetivos, ele se entrega de corpo e alma aos treinamentos e à preparação que poderá torná-lo um vencedor. Neste preparo, ele não mede esforços em abstinências, disciplinas e regras pessoais com o intuito de fortalecer o seu corpo e preparar a sua mente para a vitória.

Sem meias palavras, o apóstolo diz que esmurra o seu próprio corpo, reduzindo-o à escravidão, para que não seja, por fim, desqualificado. Isso já demonstra, em princípio, que ele sabia o que era realmente importante. O escravo é aquele que apenas obedece. O escravo não tem liberdade, por definição. Escravizar o próprio corpo é dizer para ele quem é o senhor. Paulo estava tentando nos dizer que precisamos dominar a nossa carne, precisamos dizer para ela quem manda. Se não fizermos isso, os escravos seremos nós, subjugados ao corpo e ao pecado, reféns da baixa vontade, sem autonomia para viver.

Mas essa disciplina, como alcançá-la? Essa santidade, como obtê-la? Será preciso apenas vontade, ou força, ou determinação? Será que basta ter fé para alcançar isso? Ao questionarmos dessa forma, nos sentimos ainda mais distantes do objetivo. Parece que decididamente devemos nos conformar com nossa iniqüidade e deixarmos a vida nos conduzir.

No entanto, não quero me conformar com isso. Quero, sim, cumprir minhas metas diante do Senhor. Longe de querer ser um super humano, longe de querer ser o mais santo dos homens, quero apenas ter consciência de que vivo um cristianismo agradável a Deus. Que serei aprovado por Ele. Que serei tido como um servo bom e fiel.

No filme citado acima, o irmão André diz, claramente, que quem não consegue ler a Bíblia inteira durante um ano é preguiçoso e não está fazendo a vontade de Deus. São palavras duras, mas que me fazem refletir sobre como anda o meu cristianismo. O que eu estou fazendo de mim mesmo, de minha fé, de minha eternidade, afinal. Até quando seguirei conduzindo as coisas de maneira relapsa, com pequenos arroubos de santidade, mas de grandes momentos de indiferença?

Tenho certeza que todos aqui, sendo cristãos verdadeiros, querem se sentir aprovados pelo Pai. Querem poder olhar para si e reconhecerem um cristão autêntico. Querem se sentir reais, sinceros. Querem sair daqui, irem para os seus quartos, olharem nos espelhos e reconhecerem a mesma pessoa que aqui estava orando, cantando e refletindo sobre as coisas do Evangelho.

Mas como cumprir aquilo que o irmão André disse ser obrigação de todo cristão, se a Bíblia, muitas vezes, nos parece chata, cansativa, entediante?

Precisamos, antes de tudo, saber o que nós queremos. Um atleta, quando se prepara para uma competição, ele tem seu objetivo claramente delineado. Todo o seu treinamento é baseado na preparação do corpo para que o objetivo traçado seja alcançado. Tudo o que ele faz e o que ele não faz visa esse alvo.

Diante disso, antes e qualquer coisa, precisamos saber qual é o nosso objetivo. O que queremos, por que estamos aqui. Qual o motivo de sermos cristãos. Qual a nossa esperança. É nesse sentido que Jesus diz que aquele que pretende segui-lo deve medir se é isso o que ele realmente quer. Não basta seguir a multidão. O verdadeiro discípulo de Cristo o segue porque sabe o que lhe espera, sabe o que o Mestre está lhe oferecendo e volta toda sua vida para este objetivo.

O cristianismo sempre esteve infiltrado por pessoas que não possuem nada com Cristo. Homens e mulheres que apenas encontraram algo bom, mas algo que não tomou conta de suas vidas. Por isso tantos, se dizendo cristãos, continuaram a viver de maneira tão pecadora. Por isso tantos, apesar de se acharem entre a Igreja, mantiveram seus passos de iniquidade.

Nós apenas vamos nos tornar verdadeiros seguidores de Cristo, quando suas palavras passarem a fazer parte não apenas do nosso conhecimento, mas da nossa vida. Quando ser cristão deixar de ser uma escolha, para ser uma impossibilidade de ser outra coisa, aí começaremos a experimentar o que realmente Deus tem para nossas vidas.

Se quisermos ter prazer em ler a Bíblia, não será apenas por curiosidade, nem mesmo pelo desejo de nos instruirmos. A Palavra de Deus só será prazerosa quando nós decidirmos que queremos encontrar a verdade e reconhecermos que nela está contida a verdade. Quando cada passagem da Bíblia nos trouxer não apenas conhecimento, mas solução existencial, aí começaremos a investigá-la com amor, com prazer, com vontade. É preciso antes de haver o desejo de conhecer a Bíblia, o desejo de conhecer a Deus. Se queremos Deus, de verdade, e reconhecermos que é na Bíblia que podemos encontrá-lo, então ela passará a ter um significado completamente diferente para nós. Cada palavra será uma preciosidade a ser decifrada, compreendida e absorvida no nosso ser.

Conquistado tudo isso, com o objetivo bem traçado, a disciplina e o sacrifício deixarão de ser um ato de desgosto, para, enfim, ter neles um significado verdadeiro.

Por fim, gostaria de dar mais um conselho para que não nos deixemos cair nas armadilhas do maligno e nos ver envolvidos pelas suas redes. A Bíblia, o tempo todo, nos informa que sendo cristãos, estamos em uma constante guerra. Paulo nos informa que vivemos em luta contra o diabo e seus anjos e Jesus diz que não podemos descansar, mas devemos nos manter vigilantes.

Interessante, pois estava eu lendo um livro de Agostinho, no qual ele conta a história de uma homem chamado Cipião Nasica, que, considerado um homem absolutamente virtuoso pelo Senado Romano, aconselhou-os, durante as Guerras Púnicas, que Roma não destruisse seu inimigo: Cartago. Seu motivo: sem inimigos, o povo relaxaria e daria vazão a toda sorte de iniquidades. Interessante que ele foi, inclusive, contra a importação dos teatros gregos, pois, segundo seu entendimento, esses teatros tornariam os homens mais suscetíveis à luxúria e a impureza.

Pensando em nossa vida, será que não estamos muito acomodados por não nos apercebemos que vivemos realmente uma batalha? Cercados de toda sorte de mordomia, a qual nos acostuma a não aceitarmos nenhum tipo de contrariedade, a não nos conformarmos com qualquer falta, percebemos que precisamos demais vigiar para não afrouxarmos as nossas defesas. Se realmente vivenciarmos aquilo que a Bíblia nos diz que acontecerá, se, de alguma maneira, sofrermos algum tipo de perseguição, de restrição ou de proibição, como enfrentaremos isso se não estamos treinados em viver na falta, na contrariedade até na injustiça?

Por isso, precisamos estar atentos para não permitirmos que as facilidades, os prazeres e o mal hábito amoleçam nossas almas e nos tornem presas fáceis do inimigo. Percebam como nos incomodamos com qualquer coisa que, mínimo que seja, nos importune. Uma pregação mais longa de um ministro, uma música menos interessante, um culto um pouco mais demorado, um estudo um pouco mais minucioso e, até, uma oração mais comprida de um irmão. Como enfrentar adversidades maiores se não suportamos a mais comezinhas?

Precisamos, sim, escravizar a nossa carne, disciplinar o nosso corpo, treinar a nossa mente e preparar o nosso espírito para que suportemos os dias mais difíceis que, provavelmente, experimentaremos num futuro não tão longínquo.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Efésios 3

Uma carta de conforto, por alguém que é prisioneiro, para homens livres. Em uma situação normal era Paulo que estaria recebendo mensagens de apoio, por ter sido preso, a fim de se manter firme, com esperança. Mas aquele homem não precisava de nada disso. Ele já vivia a esperança da eternidade plenamente, e não seriam cadeias que iriam roubar isso dele. A única coisa que evidentemente o incomodava era não poder estar pregando o evangelho. De qualquer forma, não era ele quem recebia as mensagens de apoio, mas ele as escrevia, para uma igreja que podia ter sua fé abalada por causa da prisão de seu missionário. O que Paulo enfatiza é que sua reclusão é, de uma perspectiva celestial, uma grande bênção1. Ela era sinal de que ele estava cumprindo o seu chamado, pregando aos gentios e os ensinando sobre o mistério oculto de Deus, que é a salvação dos povos pagãos, em Cristo Jesus. Instava-os a manterem-se firmes, certos de que tudo o que ele estava passando era para a bem daquelas pessoas. De maneira geral, as tribulações de Paulo eram a confirmação de que os gentios estavam sendo evangelizados e se convertendo a Cristo.

Paulo aceitou o seu chamado sem reservas. Quando Jesus o fez apóstolo para os gentios, ele sabia que passaria por muitas tribulações por causa disso. Porém, jamais recuou, jamais contestou sua condição, jamais questionou a razão dessas dificuldades. E isso acontecia porque ele enxergava muito além do homem ordinário. Sua compreensão do mistério divino o fez contemplar uma realidade supra cósmica que o libertava das amarguras terrenas, o fazia suportar tudo sem nunca esmorecer. O pregador assumiu seu chamado com todas as conseqüências relativas a ele. Quando aceitou pregar o evangelho fora de Israel, com uma mensagem que iria incomodar tanto judeus como não judeus, tinha a certeza que seria perseguido, machucado e preso. Ainda assim, ele manteve-se firme no propósito de Deus, e cumpriu sua vocação irrepreensivelmente. Dizia, inclusive, que nenhuma tribulação poderia afastar um cristão do amor de Deus e, mesmo passando por qualquer dificuldade, sabia que era mais que vencedor2.

Esta carta de Paulo, claramente, procura explicar para a igreja o que Deus revelou para ele. Em síntese, é a demonstração de que os gentios também tinham parte no plano de salvação divino, que este não era apenas para os judeus, mas uma possibilidade universal. Sabia, porém, que até aquele momento, essa realidade era um mistério oculto, ou seja, uma verdade que existia, mas não havia sido ainda revelada. E Deus escolheu exatamente Paulo para receber essa revelação e mais, para administrá-la. Isso significa que ele era o arauto de Deus para os povos pagãos. Foi ele o incumbido de deflagrar essa mensagem e explicá-la.

Havia plena consciência, no apóstolo, de que sua mensagem era nova para os homens, e talvez até mesmo incompreensível, principalmente para os judeus. Tendo sido ele um zeloso religioso, sabia muito bem o que pensavam seus antigos pares e como compreendiam a relação de Deus com o povo de Israel. A pregação para os gentios, sem o proselitismo tradicional judaico, pelo contrário, mesmo liberando os pagãos de se agregarem à religião judaica, só poderia trazer escândalo e ódio por parte de seus concidadãos. Mas este era seu chamado, e como já dito, Paulo o aceitou plenamente.

Aquele homem sabia, inclusive, que o mistério revelado a ele era tão grande, que não era conhecido nem mesmo de anjos e demônios. Essa é uma passagem impressionante desta carta. Ele diz que para ele foi dada a graça de anunciar aos gentios o mistério que esteve oculto em Deus, para que, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus3.

No entanto, que não se confundam, nem se embaracem num aparente paradoxo. O mistério oculto (salvação dos gentios) era um mistério para os homens, mas estava em Deus por toda a eternidade. Desde o princípio havia um plano de salvação para os pagãos, o qual foi colocado em evidência no momento certo. Os gentios não são uma sobra da salvação rejeitada pelos judeus, mas estavam, sim, dentro dos propósitos divinos desde toda a eternidade4. Quando na carta aos Romanos Paulo diz que o evangelho é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê: primeiro do judeu e também do grego5, claramente está evidenciando uma ordem cronológica de apresentação dessa salvação, jamais uma ordem preferencial.

Paulo assumiu com amor o seu chamado e desejou, ardentemente, compartilhar a verdade do evangelho com todas aquelas pessoas. Ansiava por vê-las aos pés de Cristo, deixando para trás seus cultos místicos idólatras. Queria muito que eles compreendessem a verdade da salvação de Deus, mas sabia que tal compreensão só poderia ser alcançada se houvesse uma intervenção real do Espírito Santo, seguida de uma fé incontestável em seus corações e amor irrepreensível em suas almas6. Com todas essas coisas entranhadas no espírito humano, aí sim, poderiam eles alcançar o nível de compreensão das coisas.

Quando Paulo diz que os santos poderão compreender perfeitamente qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade7, está deixando claro que aquilo que Deus revelou é possível ser compreendido pela mente humana. Diferente de tantos gnósticos que sempre insistiram na necessidade do uso de ritos místicos para se alcançar uma compreensão das coisas elevadas, a Bíblia nos ensina que o homem possui capacidade para entender os propósitos de Deus. Diante disso, vê-se que há dois erros comuns nesta questão: um daqueles que acreditam que apenas por meio de 'rituais misteriosos' se alcança verdades superiores e outro dos que acreditam que a razão, por si só, é capaz de entender a vontade divina. Na verdade, o homem pode, sim, em sua razão, compreender as realidades celestiais reveladas, porém, só alcançará isso, se tiver fé, e amor em Cristo Jesus. Nós não sabemos qual a real capacidade de um cérebro humano, mas podemos dizer, sim, que há coisas que não são simplesmente compreensíveis logicamente, mas demandam uma compreensão mais ampla, que envolve também a intuição e o sentimento. São verdades que simplesmente são, e talvez nem saibamos porque o são, mas que as percebemos num ato cognitivo direto. Isso não tem nada a ver com misticismo, mas é a realidade da constituição do próprio homem. Dessa forma, quando Paulo clama a Deus para que Ele conceda o poder do Espírito Santo aos irmãos, para que eles alcancem uma compreensão inteira da realidade, está levando em consideração esse tipo de compreensão, que não é apenas místico, mas também não é apenas racional, na verdade é uma compreensão com todo o ser (razão, sentimento, intuição e percepção).

Uma das maiores críticas que se faz a qualquer religião é o fato de ela ser achar a 'dona da verdade'. Em primeiro lugar, não há como ser diferente. Uma religião que não tivesse certeza do que prega não poderia ser uma religião, pois quem a seguiria se nem mesmo ela tivesse certa de seus preceitos? Mas, em relação ao cristianismo, isso é ainda mais evidente, afinal ele arroga a si a explicação não apenas do universo, mas de toda a realidade. Isso é um absurdo para os céticos e agnósticos, conduzindo-os a desferirem os mais duros golpes contra a fé cristã, chamando-a de intolerante e soberba. Ocorre que esses críticos jamais poderão compreender o que a Bíblia diz, pois não possuem em princípio a fé. Sendo assim, não têm o amor a Deus que harmoniza todas as coisas, E, por fim, negam a própria percepção, ignoram a própria sensibilidade que, sem dúvida, mostra para eles que há um Deus criador de todas as coisas. O que o cristão faz é exatamente o contrário: ele percebe e sente que há realmente um Deus; antes de compreendê-lo, crê; antes de explicá-lo, ama-o; e depois disso é abençoado com o entendimento das coisas.

Ainda assim, sabemos que há verdades que nem a mente humana pode compreender. Um exemplo é o amor de Cristo8. A razão humana não consegue entender o que move Deus a demonstrar tamanho amor. Como já vimos, Cristo morreu por pessoas que estavam contra Ele, em rebelião. Nenhuma compreensão é possível para isso, nenhum raciocínio pode explicar essa ação. Apenas sabemos que ela é real, mesmo sem podermos explicá-la.

Outra verdade que está além de nossa compreensão é o poder de Deus. O que Ele pode fazer vai muito além do que podemos imaginar. Apesar de sabemos que Deus é infinito em poder, não sabemos exatamente o que isso significa. Não há limite, Ele pode tudo? Nos resignamos em aceitar que isso está além de nossa compreensão.

Está claro, portanto, neste trecho da carta de Paulo, que os gentios fazem parte da família de Deus, e, como todos os homens, têm acesso livre ao Pai, devendo, como qualquer ser humano sobre a face da terra, possuir fé para poder se achegar ao Salvador das almas, que é Jesus Cristo, nosso Senhor.

1Efésios 3.13
2Romanos 8.35-37
3Efésios 3.7-10
4Efésios 3.11
5Romanos 1.16
6Efésios 3.16-17
7Efésios 3.18
8Efésios 3.19

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Efésios 2.11-22

Os que estão espiritualmente mortos não têm esperança. Seus dias são meramente uma seqüência cronológica ininterrupta, aguardando o último suspiro. Se há algum sonho, não passa de planejamento imediato, que morre tão rápido quanto morre a carne do homem. Em quem podem depositar sua confiança? Em sua força, seus ideais, sua frágil capacidade, ou em um Estado, em uma utopia? Tudo isso passa tão velozmente que as palavras do sábio podem ser repetidas altissonantemente: Tudo é vaidade!1

Os deuses pagãos jamais ofereceram qualquer esperança para o homem. Eram eles apenas uma idealização que, longe da perfeição, tentavam elevar o ser humano a padrões de virtuosidade. Seus favores, porém, não passavam de concessões imediatas, as quais estabeleciam alguma possibilidade de uma vida melhor. Eram melhores colheitas, vitórias em guerras, prosperidade material; nada muito além disso. Esperança eterna? Não havia muita! Apesar de a maioria dos povos crerem em uma eternidade, esta não passava de um Hades comum. O além-vida era algo inexorável, uma continuação prosaica da vida terrena, mas que não abarcava a idéia de recompensa ou conquista. Ir para o além era comum e não significava, absolutamente, um aprimoramento existencial. Me arriscaria a dizer até que, pelas descrições do além feitas por poetas e escritores gregos, por exemplo, o Hades estava mais próximo a uma idéia de inferno do que de paraíso. De qualquer forma, essa era a vida pagã, uma vida sem Messias, sem esperança eterna.
Em Israel isso era um pouco diferente. Os judeus criam em um Deus único, perfeito e eterno. Deus, não é apenas uma idealização, um exemplo, é a fonte da existência, o princípio e o fim. A Ele todos devem seu ser e para Ele devem se conduzir. Nisso acabava existindo já uma idéia de recompensa. Se Deus é perfeito, alguma exigência deve haver para receber os seus justos favores. É verdade que mesmo os judeus não faziam uma idéia muito clara de paraíso e inferno e também tinham suas esperanças muito voltadas para as recompensas terrenas. Porém, diferente dos povos pagãos, em sua teodicéia já havia inserida a idéia do Messias libertador, da necessidade do perdão para a redenção e o sistema de compensação pós-vida. Talvez o povo judeu não compreendesse todas as coisas, mas tudo estava já inserido em suas leis, em seus ritos, em sua simbologia. Deus, ao proporcionar ao povo uma revelação sagrada, já manifestara todo o seu plano, sua forma de agir e sua presciência.

Não podemos olvidar da aliança de Deus com o povo, suas promessas para ele. Não havia nada parecido no mundo gentio. Os deuses pagãos viviam suas vidas em si mesmos, apenas esporadicamente atuando sobre o ser humano. Ainda assim, quando imaginava-se essa atuação, normalmente era ela independente de qualquer valor moral ou espiritual, sendo inclusive, tantas vezes, movida por interesses absolutamente pessoais. O Deus de Israel, de maneira completamente diferente, era o Deus atuante, que conduzia o povo, que acompanhava e interferia na história desse povo, que indicava o caminho, que castigava e recompensava. Era o Deus vivo que tinha o poder sobre tudo e todos. É evidente que a Aliança de Deus só podia estar com o povo de Israel, afinal os outros povos sequer conseguiam alcançar a idéia do Deus Todo-Poderoso como os judeus já compreendiam.

Porém, sendo aqueles deuses gentios apenas idealização, não existindo de fato, é óbvio que mesmo aquele povo pagão era criatura do Deus Verdadeiro e Eterno. De alguma forma, aqueles homens e mulheres estavam dentro da realidade divina e eram amados pelo Deus Criador. Mesmo havendo um pacto entre Deus e o povo judeu, os povos gentios não foram excluídos da realidade eterna do Senhor. Desde o princípio, Deus havia preparado o redentor, que seria não apenas o redentor de Israel, mas o salvador de todos os povos, de todas as raças, línguas e nações.

Os judeus, no entanto, não poderiam saber disso. Se mal compreendiam sua própria redenção, como poderiam vislumbrar uma salvação, por meio de seu Messias, de povos incrédulos e idólatras? Ocorre que esse era o grande mistério que Paulo afirma que existia na mente de Deus, e que, a partir de Jesus Cristo, foi revelado de maneira completa.

Os pagãos estavam longe da salvação não porque Deus os houvesse abandonado, mas porque eles se agarraram aos seus deuses e neles compreendiam sua realidade. Nesses povos, não havia lugar para um Deus Único e suficiente. Quando estes povos, por meio de seus sábios passaram a, de alguma maneira, questionar sua infindável ordem de deuses é que parece que o terreno começou a ser preparado para a aceitação, por eles, da idéia de um Deus Único e verdadeiro. Talvez por volta do século III antes de Cristo começaram a haver as primeiras discussões sobre a existência dos deuses e sua razão de existirem. Mesmo sendo ainda questionamentos tão distantes da realidade existente, já era um prenúncio e, quem sabe, um princípio para a pregação posterior do Evangelho. Deus sabe essas coisas, e quando a Bíblia diz que Cristo veio na plenitude do tempo2, esse talvez seja um dos fatores que contribuíram para isso.

De qualquer forma as palavras de Paulo são bem claras: eles estavam sem Messias, não faziam parte do povo de Deus, não tinham esperança, e viviam sem Deus no mundo.
O Messias era o libertador, aquele que salvaria o povo da opressão e da escravidão. Talvez os judeus não compreendessem que essa libertação era de algo muito maior do que o cativeiro terreno, mas, de qualquer forma, havia a esperança real no salvador. Essa esperança manteve a coesão do povo e sua existência. Imagine um povo sem terra que mantém suas raízes durante milhares de anos. Essa é a história do povo de Israel. Foram cativeiros, escravidão, deportações, expulsões, massacres e holocaustos. Ainda assim, esse povo continuou a existir, manteve-se como uma raça, preservou sua língua e sua identidade. Ora, isso apenas pode ocorrer se houver algum princípio que o mantenha coeso, unido e identificável. Esse princípio é a esperança no Messias. Essa esperança é o norte que sempre conduziu esse povo e o manteve alerta.

Sem essa esperança, não é possível manter-se. No fundo, todos percebemos que a vida é vaidade. Vivemos entre tristezas e alegrias, e, de uma maneira ou de outra, morreremos. Ainda que haja a crença num mundo posterior, ela só dá algum sentido para a vida atual se esse além-mundo for também um além-existência. Se crêssemos apenas em uma continuação ininterrupta da vida terrena, não haveria qualquer necessidade de libertação, de salvação. Desse jeito, se a vida aqui neste mundo tiver suas incoerências, seus desatinos e sua falta de sentido, a vida além não seria diferente. Com isso, a escravidão espiritual seria eterna, alterando apenas o local de onde ela se daria.

O salvador é necessário! Isso foi revelado aos judeus muito antes. Não se pode aceitar que toda fragilidade desta atual existência seja eterna. Não se pode aceitar que o que Deus preparou para o homem seja essa vida pequena e fugaz. A eternidade superior, perfeita, livre das impurezas terrenas é tão necessária que não pensar nela é quase que um suicídio. E de tão necessária ela se torna óbvia, e de tão óbvia sua inexistência é impensável.

Excluindo qualquer dúvida da existência de uma vida eterna paradisíaca, porém, sendo ela não uma continuação automática da vida presente, seu acesso só pode ocorrer como conseqüência do que se faz nesta vida. No entanto, não havendo ser humano capaz de produzir obras que o conduzam a essa eternidade perfeita, foi necessário que o próprio Deus, fazendo-se homem, derramasse seu sangue, possibilitando assim, para aqueles que aceitassem esse sacrifício, o acesso a eternidade maravilhosa do céu. Este Homem é o Messias esperado. Ele veio, Ele morreu, Ele deu seu sangue, e Ele venceu, então, a morte, Ele nos deu a vida, Ele nos deu acesso a Deus. Quem não tem o Messias não tem o céu, quem não tem o Salvador, não tem a esperança, e isso é o que ocorre a todos que estão fora da realidade cristã.

Os povos pagãos não faziam parte do povo de Deus, pois não o compreendiam. Assim, estavam fora da esperança. Eram estranhos à Aliança da promessa porque não poderia haver promessa a quem não acreditava na oferta. Ainda que Deus falasse aqueles povos, ainda assim seriam palavras ao vento, pois não as teriam como respostas, já que seus questionamentos eram muito diferentes.

De toda forma, mesmo os gentios estavam no plano de Deus, e o sangue do Messias não fora derramado apenas para o povo judeu, mas para toda a humanidade. Diante disso, na plenitude dos tempos, essa verdade precisava chegar aos ouvidos pagãos e possibilitar a eles a conversão. Aqueles que tão longe estavam, não apenas fisicamente, mas em sua própria concepção de existência, agora poderiam ser aproximados. O preço já estava pago e tanto os judeus como os pagãos poderiam ter acesso à esperança da eternidade ao lado de Deus.

Se Deus não faz acepção de pessoas, e todos estão incluídos no seu amor, não havia como deixar de fora mesmo os povos mais distantes. Ainda que os judeus não compreendessem isso, pois concebiam uma libertação nacional e terrena, tiveram que aceitar essa verdade, uma verdade que foi revelada simbolicamente a Pedro e de uma maneira ainda mais completa para Paulo. A partir de Cristo, não haveria mais separação entre judeus e o resto do mundo. Não haveria mais a exclusividade que norteou Israel durante tanto tempo.

O muro da separação caiu. Ressaltemos, no entanto, que esse muro existia principalmente na visão judia da realidade. No coração de Deus o homem sempre foi apenas uma espécie, criada a sua imagem e semelhança. Mas essa verdade não estava disponível para o imaginário israelense, que conhecia a revelação da lei e pouco compreendia toda a profundidade da graça já nela contida. Em Cristo, porém, foi descortinado esse mistério oculto, esse conhecimento escondido e, a partir dele, todos podem ser apenas um em Jesus. Daquele instante em diante, era necessário compreender que não poderia haver mais inimizade entre judeus e gentios, já não cabia mais a separação que havia inclusive no próprio Templo de Jerusalém, no qual os gentios podiam permanecer apenas nas partes exteriores.

O que o homem antigo compreendia era apenas a sombra da realidade. Sua vida era conduzida por ordenanças que apenas refletiam, como um espelho, a verdade. O judeu daquele tempo seguia essas ordenanças e sua virtude residia exatamente em fazer bem isso. Mas Deus não é um deus de sombras e reflexos, e sim a realidade plena, a verdade – que nunca deixou de ser – que precisava se definitivamente descortinada. E isso ocorreu com a vitória de Jesus na cruz. O véu foi literalmente rasgado e o sentido mais profundo daquelas ordenanças se apresentou ao mundo. A Lei era inimizade, não porque fosse uma regra de preconceitos, mas, precisamente por ser lei, precisava determinar o que era e o que não era. Para ensinar, que era o seu grande propósito, precisava definir os pecados, afastar as impurezas, determinar os ritos de expurgo etc. Com isso, invariavelmente, ela excluía, condenava. Porém, com a revelação do entendimento final do intuito da lei, toda exclusão pré-determinada, toda condenação antecipada perde o sentido. O que há, enfim, é a apresentação da verdade, mas uma verdade disponível a todo homem, que escolhe, simplesmente, se a aceita ou se exclui dela por si mesmo.

A revelação, agora compreendida, não mais desune, mas aproxima o ser humano. E isso deve produzir a formação de um homem novo, restaurado no Espírito do próprio Deus. Não apenas homens novos, mas um modelo perfeito, um arquétipo santo. Esse protótipo é o próprio Cristo, no qual todos devem se espelhar, a quem todos devem servir e se submeter. Deus não deve ser mais chamado o Deus dos judeus, não deve mais ser nominado o Senhor de Israel. Deus é o Deus dos homens, de toda a raça humana, que foi reunida em Jesus Cristo para O adorarem. O acesso ao Pai é livre a qualquer um, independente de raça, cor ou nacionalidade.

No mundo há apenas uma família de Deus, a qual trabalha em favor do Evangelho de salvação, nessa luta incessante contra Satanás e seus anjos3. Um só corpo, uma só fé, um só batismo e um só espírito. Uma unidade que deve abalar as portas do inferno, saqueando vidas que caminham para a perdição, conduzindo-as à maravilha da eternidade ao lado de Deus. Guiados pela Palavra de Deus (fundamento dos apóstolos e dos profetas), o povo do Senhor, obedecendo as ordens de Cristo, propagando a sua verdade, como uma missão inescusável, se mantém firme numa só esperança, que é a certeza de viver eternamente junto ao Pai Celeste.

1Eclesiastes 1.2
2Gálatas 4.4
3Efésios 6.12