Os que estão espiritualmente mortos não têm esperança. Seus dias são meramente uma seqüência cronológica ininterrupta, aguardando o último suspiro. Se há algum sonho, não passa de planejamento imediato, que morre tão rápido quanto morre a carne do homem. Em quem podem depositar sua confiança? Em sua força, seus ideais, sua frágil capacidade, ou em um Estado, em uma utopia? Tudo isso passa tão velozmente que as palavras do sábio podem ser repetidas altissonantemente: Tudo é vaidade!1
Os deuses pagãos jamais ofereceram qualquer esperança para o homem. Eram eles apenas uma idealização que, longe da perfeição, tentavam elevar o ser humano a padrões de virtuosidade. Seus favores, porém, não passavam de concessões imediatas, as quais estabeleciam alguma possibilidade de uma vida melhor. Eram melhores colheitas, vitórias em guerras, prosperidade material; nada muito além disso. Esperança eterna? Não havia muita! Apesar de a maioria dos povos crerem em uma eternidade, esta não passava de um Hades comum. O além-vida era algo inexorável, uma continuação prosaica da vida terrena, mas que não abarcava a idéia de recompensa ou conquista. Ir para o além era comum e não significava, absolutamente, um aprimoramento existencial. Me arriscaria a dizer até que, pelas descrições do além feitas por poetas e escritores gregos, por exemplo, o Hades estava mais próximo a uma idéia de inferno do que de paraíso. De qualquer forma, essa era a vida pagã, uma vida sem Messias, sem esperança eterna.
Em Israel isso era um pouco diferente. Os judeus criam em um Deus único, perfeito e eterno. Deus, não é apenas uma idealização, um exemplo, é a fonte da existência, o princípio e o fim. A Ele todos devem seu ser e para Ele devem se conduzir. Nisso acabava existindo já uma idéia de recompensa. Se Deus é perfeito, alguma exigência deve haver para receber os seus justos favores. É verdade que mesmo os judeus não faziam uma idéia muito clara de paraíso e inferno e também tinham suas esperanças muito voltadas para as recompensas terrenas. Porém, diferente dos povos pagãos, em sua teodicéia já havia inserida a idéia do Messias libertador, da necessidade do perdão para a redenção e o sistema de compensação pós-vida. Talvez o povo judeu não compreendesse todas as coisas, mas tudo estava já inserido em suas leis, em seus ritos, em sua simbologia. Deus, ao proporcionar ao povo uma revelação sagrada, já manifestara todo o seu plano, sua forma de agir e sua presciência.
Não podemos olvidar da aliança de Deus com o povo, suas promessas para ele. Não havia nada parecido no mundo gentio. Os deuses pagãos viviam suas vidas em si mesmos, apenas esporadicamente atuando sobre o ser humano. Ainda assim, quando imaginava-se essa atuação, normalmente era ela independente de qualquer valor moral ou espiritual, sendo inclusive, tantas vezes, movida por interesses absolutamente pessoais. O Deus de Israel, de maneira completamente diferente, era o Deus atuante, que conduzia o povo, que acompanhava e interferia na história desse povo, que indicava o caminho, que castigava e recompensava. Era o Deus vivo que tinha o poder sobre tudo e todos. É evidente que a Aliança de Deus só podia estar com o povo de Israel, afinal os outros povos sequer conseguiam alcançar a idéia do Deus Todo-Poderoso como os judeus já compreendiam.
Porém, sendo aqueles deuses gentios apenas idealização, não existindo de fato, é óbvio que mesmo aquele povo pagão era criatura do Deus Verdadeiro e Eterno. De alguma forma, aqueles homens e mulheres estavam dentro da realidade divina e eram amados pelo Deus Criador. Mesmo havendo um pacto entre Deus e o povo judeu, os povos gentios não foram excluídos da realidade eterna do Senhor. Desde o princípio, Deus havia preparado o redentor, que seria não apenas o redentor de Israel, mas o salvador de todos os povos, de todas as raças, línguas e nações.
Os judeus, no entanto, não poderiam saber disso. Se mal compreendiam sua própria redenção, como poderiam vislumbrar uma salvação, por meio de seu Messias, de povos incrédulos e idólatras? Ocorre que esse era o grande mistério que Paulo afirma que existia na mente de Deus, e que, a partir de Jesus Cristo, foi revelado de maneira completa.
Os pagãos estavam longe da salvação não porque Deus os houvesse abandonado, mas porque eles se agarraram aos seus deuses e neles compreendiam sua realidade. Nesses povos, não havia lugar para um Deus Único e suficiente. Quando estes povos, por meio de seus sábios passaram a, de alguma maneira, questionar sua infindável ordem de deuses é que parece que o terreno começou a ser preparado para a aceitação, por eles, da idéia de um Deus Único e verdadeiro. Talvez por volta do século III antes de Cristo começaram a haver as primeiras discussões sobre a existência dos deuses e sua razão de existirem. Mesmo sendo ainda questionamentos tão distantes da realidade existente, já era um prenúncio e, quem sabe, um princípio para a pregação posterior do Evangelho. Deus sabe essas coisas, e quando a Bíblia diz que Cristo veio na plenitude do tempo2, esse talvez seja um dos fatores que contribuíram para isso.
De qualquer forma as palavras de Paulo são bem claras: eles estavam sem Messias, não faziam parte do povo de Deus, não tinham esperança, e viviam sem Deus no mundo.
O Messias era o libertador, aquele que salvaria o povo da opressão e da escravidão. Talvez os judeus não compreendessem que essa libertação era de algo muito maior do que o cativeiro terreno, mas, de qualquer forma, havia a esperança real no salvador. Essa esperança manteve a coesão do povo e sua existência. Imagine um povo sem terra que mantém suas raízes durante milhares de anos. Essa é a história do povo de Israel. Foram cativeiros, escravidão, deportações, expulsões, massacres e holocaustos. Ainda assim, esse povo continuou a existir, manteve-se como uma raça, preservou sua língua e sua identidade. Ora, isso apenas pode ocorrer se houver algum princípio que o mantenha coeso, unido e identificável. Esse princípio é a esperança no Messias. Essa esperança é o norte que sempre conduziu esse povo e o manteve alerta.
Sem essa esperança, não é possível manter-se. No fundo, todos percebemos que a vida é vaidade. Vivemos entre tristezas e alegrias, e, de uma maneira ou de outra, morreremos. Ainda que haja a crença num mundo posterior, ela só dá algum sentido para a vida atual se esse além-mundo for também um além-existência. Se crêssemos apenas em uma continuação ininterrupta da vida terrena, não haveria qualquer necessidade de libertação, de salvação. Desse jeito, se a vida aqui neste mundo tiver suas incoerências, seus desatinos e sua falta de sentido, a vida além não seria diferente. Com isso, a escravidão espiritual seria eterna, alterando apenas o local de onde ela se daria.
O salvador é necessário! Isso foi revelado aos judeus muito antes. Não se pode aceitar que toda fragilidade desta atual existência seja eterna. Não se pode aceitar que o que Deus preparou para o homem seja essa vida pequena e fugaz. A eternidade superior, perfeita, livre das impurezas terrenas é tão necessária que não pensar nela é quase que um suicídio. E de tão necessária ela se torna óbvia, e de tão óbvia sua inexistência é impensável.
Excluindo qualquer dúvida da existência de uma vida eterna paradisíaca, porém, sendo ela não uma continuação automática da vida presente, seu acesso só pode ocorrer como conseqüência do que se faz nesta vida. No entanto, não havendo ser humano capaz de produzir obras que o conduzam a essa eternidade perfeita, foi necessário que o próprio Deus, fazendo-se homem, derramasse seu sangue, possibilitando assim, para aqueles que aceitassem esse sacrifício, o acesso a eternidade maravilhosa do céu. Este Homem é o Messias esperado. Ele veio, Ele morreu, Ele deu seu sangue, e Ele venceu, então, a morte, Ele nos deu a vida, Ele nos deu acesso a Deus. Quem não tem o Messias não tem o céu, quem não tem o Salvador, não tem a esperança, e isso é o que ocorre a todos que estão fora da realidade cristã.
Os povos pagãos não faziam parte do povo de Deus, pois não o compreendiam. Assim, estavam fora da esperança. Eram estranhos à Aliança da promessa porque não poderia haver promessa a quem não acreditava na oferta. Ainda que Deus falasse aqueles povos, ainda assim seriam palavras ao vento, pois não as teriam como respostas, já que seus questionamentos eram muito diferentes.
De toda forma, mesmo os gentios estavam no plano de Deus, e o sangue do Messias não fora derramado apenas para o povo judeu, mas para toda a humanidade. Diante disso, na plenitude dos tempos, essa verdade precisava chegar aos ouvidos pagãos e possibilitar a eles a conversão. Aqueles que tão longe estavam, não apenas fisicamente, mas em sua própria concepção de existência, agora poderiam ser aproximados. O preço já estava pago e tanto os judeus como os pagãos poderiam ter acesso à esperança da eternidade ao lado de Deus.
Se Deus não faz acepção de pessoas, e todos estão incluídos no seu amor, não havia como deixar de fora mesmo os povos mais distantes. Ainda que os judeus não compreendessem isso, pois concebiam uma libertação nacional e terrena, tiveram que aceitar essa verdade, uma verdade que foi revelada simbolicamente a Pedro e de uma maneira ainda mais completa para Paulo. A partir de Cristo, não haveria mais separação entre judeus e o resto do mundo. Não haveria mais a exclusividade que norteou Israel durante tanto tempo.
O muro da separação caiu. Ressaltemos, no entanto, que esse muro existia principalmente na visão judia da realidade. No coração de Deus o homem sempre foi apenas uma espécie, criada a sua imagem e semelhança. Mas essa verdade não estava disponível para o imaginário israelense, que conhecia a revelação da lei e pouco compreendia toda a profundidade da graça já nela contida. Em Cristo, porém, foi descortinado esse mistério oculto, esse conhecimento escondido e, a partir dele, todos podem ser apenas um em Jesus. Daquele instante em diante, era necessário compreender que não poderia haver mais inimizade entre judeus e gentios, já não cabia mais a separação que havia inclusive no próprio Templo de Jerusalém, no qual os gentios podiam permanecer apenas nas partes exteriores.
O que o homem antigo compreendia era apenas a sombra da realidade. Sua vida era conduzida por ordenanças que apenas refletiam, como um espelho, a verdade. O judeu daquele tempo seguia essas ordenanças e sua virtude residia exatamente em fazer bem isso. Mas Deus não é um deus de sombras e reflexos, e sim a realidade plena, a verdade – que nunca deixou de ser – que precisava se definitivamente descortinada. E isso ocorreu com a vitória de Jesus na cruz. O véu foi literalmente rasgado e o sentido mais profundo daquelas ordenanças se apresentou ao mundo. A Lei era inimizade, não porque fosse uma regra de preconceitos, mas, precisamente por ser lei, precisava determinar o que era e o que não era. Para ensinar, que era o seu grande propósito, precisava definir os pecados, afastar as impurezas, determinar os ritos de expurgo etc. Com isso, invariavelmente, ela excluía, condenava. Porém, com a revelação do entendimento final do intuito da lei, toda exclusão pré-determinada, toda condenação antecipada perde o sentido. O que há, enfim, é a apresentação da verdade, mas uma verdade disponível a todo homem, que escolhe, simplesmente, se a aceita ou se exclui dela por si mesmo.
A revelação, agora compreendida, não mais desune, mas aproxima o ser humano. E isso deve produzir a formação de um homem novo, restaurado no Espírito do próprio Deus. Não apenas homens novos, mas um modelo perfeito, um arquétipo santo. Esse protótipo é o próprio Cristo, no qual todos devem se espelhar, a quem todos devem servir e se submeter. Deus não deve ser mais chamado o Deus dos judeus, não deve mais ser nominado o Senhor de Israel. Deus é o Deus dos homens, de toda a raça humana, que foi reunida em Jesus Cristo para O adorarem. O acesso ao Pai é livre a qualquer um, independente de raça, cor ou nacionalidade.
No mundo há apenas uma família de Deus, a qual trabalha em favor do Evangelho de salvação, nessa luta incessante contra Satanás e seus anjos3. Um só corpo, uma só fé, um só batismo e um só espírito. Uma unidade que deve abalar as portas do inferno, saqueando vidas que caminham para a perdição, conduzindo-as à maravilha da eternidade ao lado de Deus. Guiados pela Palavra de Deus (fundamento dos apóstolos e dos profetas), o povo do Senhor, obedecendo as ordens de Cristo, propagando a sua verdade, como uma missão inescusável, se mantém firme numa só esperança, que é a certeza de viver eternamente junto ao Pai Celeste.
Efésios 2.11-22