O homem-que-sou: um mísero andarilho que pouco pode alterar da realidade, que luta diariamente com progressos ínfimos, resultados parcos, conquistas nulas. Há muitos que falam em revoluções, que anseiam por mudanças, que querem, e acreditam poderem, alterar realmente o universo. Falam de lutas, subversões, ações e gestos que crêem terem forças para transformar, segundo seus próprios ideais. Quanto ao homem-que-sou, porém, fica a eterna sensação de sentir-se frustrado, incapaz de fazer o que os outros dizem que fazem.
Permanece o ter-se como inútil, impassível diante das mudanças, fraco diante das forças universais que teimam em continuar sua marcha rumo ao clímax. Parece que todos são heróis, e o homem-que-sou o único covarde. Há tanta coragem nos outros, mas o homem-que-sou se vê como um pobre infeliz, que mal consegue manter-se. Nas ruas, o que se vende é a promessa da vitória. Nos púlpitos, rugem milagres passados e futuros. Por todos os lados, todos são vencedores, todos sabem o que fazer, todos são afortunados. Uns venceram demônios, outros derrotaram a miséria; por um lado, uns acabaram com as doenças, por outro exterminaram a solidão. Apenas o homem-que-sou continua a lutar contra os mesmos adversários, que o perseguem desde sempre.
Permanece o ter-se como inútil, impassível diante das mudanças, fraco diante das forças universais que teimam em continuar sua marcha rumo ao clímax. Parece que todos são heróis, e o homem-que-sou o único covarde. Há tanta coragem nos outros, mas o homem-que-sou se vê como um pobre infeliz, que mal consegue manter-se. Nas ruas, o que se vende é a promessa da vitória. Nos púlpitos, rugem milagres passados e futuros. Por todos os lados, todos são vencedores, todos sabem o que fazer, todos são afortunados. Uns venceram demônios, outros derrotaram a miséria; por um lado, uns acabaram com as doenças, por outro exterminaram a solidão. Apenas o homem-que-sou continua a lutar contra os mesmos adversários, que o perseguem desde sempre.
O que mais incomoda o homem-que-sou, no entanto, é a vida dos santos contemporâneos. O homem-que-sou não entende como eles conseguem ser tão perfeitos, enquanto ele é tão falho. Como alcançam tão rápido e tão certo os favores divinos, enquanto ele permanece a clamar com as mesmas petições? Qual o segredo deles? O que eles fizeram para alcançar tamanha virtude? O homem-que-sou começa a se ver, então, miserável; terrificado diante da grandeza alheia. Ao homem-que-sou resta resignar-se com a sua insignificância, manter-se inerte em sua indiferença, aguardando apenas o dia no qual tudo acabará, e dele mal permanecerão algumas fagulhas de lembrança.
Porém, ocorre algo estranho e que não condiz com a aparência percebida pelo homem-que-sou. Apesar de se ver tão inferior aos outros, mesmo sentindo que é o mais ridículo dos seres, no homem-que-sou não há tristeza, muito menos desespero. Enquanto os fortes choram, os vitoriosos se lamentam, os ricos se matam e os santos se corrompem, o homem-que-sou, na simplicidade da sua existência, segue firme rumo ao infinito. O coração do homem-que-sou não sente o peso das grandes conquistas, a alma do homem-que-sou não é torturada pelo desejo de vencer. Não há, no homem-que-sou, a insatisfação dos que muito querem, pois o que o homem-que-sou tem, é o que ele pode ter, e o que o homem-que-sou é, é o que ele pode ser. O homem-que-sou entende quando Paulo diz: “quando estou fraco então sou forte”. Pois, se a força do mundo tem trazido tanta dissensão, se a alegria do mundo tem derramado tanta lágrima, se o prazer do mundo tem causado tanto sofrimento, então, para o homem-que-sou, é melhor permanecer na sua singeleza, e manter o coração firme.
Ao olhar à sua volta, à realidade que o cerca mais imediatamente, o homem-que-sou não vê nada de espetacular, nenhuma aventura épica, nenhuma estória fabulosa. E ainda que o mundo sempre diga, para o homem-que-sou, que para ser feliz é preciso ser louco, dar grandes saltos, voar sobre as montanhas, ainda assim, o que o homem-que-sou vê que, enquanto esses loucos aventureiros, apesar de toda sua empreitada, se sentem sós e se debulham em lamentos, seu sentimento continua a ser de paz, e seus pés se mantêm firmes. Talvez o mundo olhe para o homem-que-sou e veja um derrotado. É provável que o homem-que-sou, para os grandes e sábios senhores deste mundo, seja um verme insignificante, o qual não faz diferença alguma a ninguém. E o homem-que-sou pode até repetir o salmista, dizendo: “Eu sou verme, e não homem, opróbrio dos homens e desprezado do povo”, e, ainda assim, o homem-que-sou não se refugia da verdade, mas vive os dias na certeza dos princípios que carrega, com sentido para vida, na paciência fortalecedora da fé.
Diante tudo isso, vejo que o homem-que-sou é um vitorioso. Já é um vencedor, ou até mais que vencedor, pois sua vitória não reside no sucesso de uma aventura heróica, mas em ser quem é, dentro da realidade que está, grato pelo que recebeu de Deus. O homem-que-sou é satisfeito porque, ainda que não possua tanto quanto os outros, ainda que não conquiste tanto quanto os outros, o que ele tem e o que ele é são a porção do Pai para ele, dom de Deus, que não se iguala a nenhum outro. O homem-que-sou é realizado, não por ter se tornado alguém em especial, mas por ser, simplesmente, quem ele é. E este homem-que-sou foi visto por Deus, não como um resto de ser que se mistura à multidão, mas como alguém, tão importante e tão precioso, que custou o sangue divino sua redenção. O homem-que-sou é feliz, não por ter realizado todos os seus sonhos, não por ter cumprido todas as suas metas, não por alcançar os resultados mais surpreendentes. O homem-que-sou é feliz, simplesmente, porque sabe quem é, conhece a si mesmo, como alguém criado por Deus, importante para Deus e integrante de sua família.
O homem-que-sou compreendeu que todos os desejos de revolução, toda a ganância por conquista, toda a necessidade de sucesso e todo o anseio por reconhecimento é, basicamente, a fraqueza de uma alma que não encontrou o seu lugar, que chora por não saber quem é, que se lamenta por não poder ser mais. O homem-que-sou entendeu que toda a pressa humana é desespero de tentar ser quem é impossível ser, e de não querer ser o que se é.
E que não digam que o homem-que-sou está paralisado. Chesterton ensinou que para manter uma casa arrumada e bonita é preciso trabalhar bastante. O homem-que-sou trabalha, e muito, para manter a casa em ordem, para melhorá-la, adorná-la, embelezá-la, enfim. Apenas o que ele não quer é destruí-la, pois sabe que não terá capacidade para fazer algo melhor. Se os revolucionários, contestadores, heróis e sábios aprendessem com o homem-que-sou, desceriam de seus arrogantes pedestais para trabalharem na manutenção e reforma deste mundo, aguardando, apenas, o retorno do senhorio para o dia da prestação de contas.
O Homem-que-sou